O helicóptero mergulhou em um dos cantos mais inacessíveis da floresta amazônica. Comandos das forças especiais brasileiras saltaram de seus patins de metal para as águas habitadas por jacarés abaixo.
O alvo deles, escondido na floresta ao longo do rio Bóia, no Brasil, era um enorme aço draga de mineração, pega em flagrante enquanto perfurava o leito do rio, pulverizando-o em busca de ouro.
A bordo, tropas do órgão ambiental nacional, Ibama, e da Polícia Rodoviária Federal encontraram ferramentas típicas dessa indústria ilegal: três garrafas de mercúrio, 10g de ouro e uma enorme broca usada para despolpar o leito do rio abaixo.
Mas uma engenhoca mais moderna também chamou sua atenção: um elegante receptor branco fabricado pela empresa de internet via satélite de Elon Musk, Starlink, que está no centro de um confronto cada vez mais intenso entre as autoridades brasileiras e o bilionário norte-americano que, na semana passada, resultou no bloqueio de sua rede social X. no maior país da América do Sul.
“É uma antena de Internet via satélite que fornece comunicações a toda esta rede criminosa”, disse um combatente das forças especiais enquanto exibia o dispositivo que a sua unidade tinha apreendido – um dos muitos obtidos a estes criminosos este ano.
“Nós encontramos isso em todos os lugares agora. Cada draga de mineração tem pelo menos um deles”, acrescentou o policial sobre a antena que estava sendo usada para conectar a barcaça e suas câmeras de segurança a um proprietário ausente em uma cidade a centenas de quilômetros de distância.
Há apenas dois anos, poucos no sertão da Amazônia – onde a internet de alta velocidade sempre foi um luxo impensável – tinham ouvido falar da Starlink ou da SpaceX, a empresa de foguetes que é controladora da Starlink e que enviou mais de 6.000 foguetes em órbita baixa. satélites ao espaço para transmitir sinais para locais isolados como este.
Hoje, as antenas da Starlink estão por toda parte: em operações de mineração ilegal, mas também em aldeias indígenas isoladas, alojamentos e fazendas na selva, e até mesmo em bases militares espalhadas por uma vasta região de floresta tropical maior que a UE.
A Starlink afirma ter mais de 250 mil clientes no Brasil, contra menos de 20 mil em fevereiro de 2023. Quase 70 mil dessas antenas estão na Amazônia, onde a empresa atua em mais de 90% dos municípios.
“O Starlink é uma revolução na forma como leva conectividade à Internet de boa qualidade para praticamente qualquer lugar remoto do mundo”, disse Pedro Doria, um proeminente escritor brasileiro de tecnologia. “É revolucionário e não tenho certeza se muitas pessoas na (capital política) Brasília entendem como – especialmente na Amazônia – você não pode mais viver sem o Starlink.”
Ronaldo Lemos, advogado de tecnologia e aficionado por inovação, viajou para a região da floresta tropical para fazer um programa sobre a revolução amazônica da Starlink para sua série Expresso Futuro. Ele ficou surpreso com a rápida disseminação da tecnologia enquanto subia o rio Negro em direção à fronteira com a Colômbia, navegando na Internet.
Em um porto, Lemos conheceu um fisioterapeuta que havia desistido de seu trabalho diário, comprado tantos terminais Starlink quanto pôde encontrar e estava se mudando de cidade ribeirinha em cidade ribeirinha, vendendo-os por três vezes o preço original.
“(Há) essa enorme demanda por conectividade na região”, disse Lemos. “Definitivamente mudou o perfil da região e acho que isso é uma coisa boa”, acrescentou, celebrando como a Starlink estava dando a comunidades anteriormente isoladas acesso à educação e oportunidades de negócios.
Mas Lemos voltou para casa preocupado com o que viu.
Primeiro, ele temia que a penetração massiva da Starlink na região potencialmente desse à empresa norte-americana acesso a informações altamente confidenciais sobre uma região rica em recursos, há muito vista como central para a segurança e soberania nacionais do Brasil.
“A Starlink conhece a localização de seus equipamentos em todos os lugares da Amazônia e com essas informações e um pouco de mineração de dados você pode realmente determinar as posições dos recursos minerais”, disse Lemos.
“Uma empresa como a Starlink pode neste momento saber mais sobre a Amazônia e a ocupação da Amazônia pela atividade humana do que o governo brasileiro realmente sabe.”
Em segundo lugar, o domínio quase completo da Starlink no mercado de Internet via satélite da Amazon deu a Musk uma influência enorme e potencialmente perigosa sobre o governo do Brasil.
“Os acontecimentos que vimos nos últimos dias demonstram que infelizmente Elon Musk se tornou muito instável e até juvenil na forma como se comporta”, disse Lemos sobre a recusa do bilionário em cumprir ordens do Supremo Tribunal do Brasil e muitas vezes ataques grosseiros aos juízes do país e ao presidente de esquerda.
“(Este) comportamento errático (significa) que é muito difícil para um país realmente depender de uma pessoa como ele para aplicações críticas como conectar a Amazônia e assim por diante.”
O Brasil está longe de ser o único país onde tais ansiedades estão sendo expressas sobre a dependência excessiva de Musk.
Starlink tem mais de 3 milhões de clientes em quase 100 países. Mas foi na Ucrânia que a tecnologia provou o quão valiosa pode ser para um Estado-nação. Existem mais de 42.000 terminais Starlink no país onde são utilizados por militares, médicos e trabalhadores do setor energético e são vistos como uma peça central de infraestrutura no combate à invasão russa.
Em 2022, meses após o início do conflito, Musk ameaçou parar de cobrir os custos de operação do Starlink na Ucrânia, mas recuou rapidamente. Houve vários relatos de tensões entre Starlink e os militares ucranianos sobre os limites de seu uso, incluindo um incidente em que Musk se recusou a permitir um sub-ataque de drone ucraniano à frota russa em Sebastopol.
“Você nunca quer depender de um fornecedor, independentemente de quem ele seja”, disse Dmitri Alperovitch, especialista em segurança cibernética e presidente do grupo de reflexão Silverado Policy Accelerator. No entanto, não existe rival global para o Starlink. Os países poderiam pelo menos seguir o exemplo do governo dos EUA na contratação do braço militar da Starlink, Starshield, onde os EUA possuem e controlam os satélites, disse Alperovitch.
No ano passado, o New York Times informou que Taiwan, preocupado com as ameaças aos cabos submarinos da Internet, manteve conversações com a SpaceX sobre o uso do Starlink, mas as discussões foram prejudicadas por preocupações de que Musk pudesse ficar sob pressão de Pequim para cortar o serviço. A China é um mercado vital para a Tesla, a montadora de carros elétricos da qual Musk é CEO e na qual possui uma participação de 13%.
Makena Young, pesquisadora do centro de estudos estratégicos e internacionais em Washington DC, disse que a Starlink estava em uma posição única.
Embora não seja incomum que grandes empresas tenham um impacto geopolítico, disse ela, é “raro que tomem decisões políticas significativas, cuja atenção e implicações provavelmente aumentarão quando lideradas por indivíduos altamente visíveis e potencialmente polarizadores”.
Quando a concorrência pela Starlink finalmente surgir – com a Amazon entre as empresas desenvolvendo potenciais rivais – o fator Musk poderá desempenhar um papel na escolha do serviço que os clientes escolhem.
Lemos disse esperar que a disputa entre Musk e a Suprema Corte do Brasil sirva como “um alerta para todas as democracias” e instou o governo brasileiro a procurar outros fornecedores que possam oferecer conectividade por satélite de baixa órbita na Amazônia.
Lemos afirmou que a transformação de X em arma por Musk tornou cada vez mais claro como o bilionário estava usando sua rede social como “uma ferramenta partidária de interferência estrangeira que tenta provocar divisão”. Ele destacou a ampliação do conteúdo de extrema direita por parte do empresário durante os tumultos no Reino Unido.
“Meu medo é que o Starlink possa se tornar parte da mesma trama.”