Nos anos 50 do século passado, João Gualberto e Onezina Bandeira, provenientes do Maranhão, estabeleceram-se em Miracema do Norte-GO e lá terminaram de constituir uma bonita família.
Entregaram ao mundo as filhas Dalva (professora emérita), Marica (lojista e líder política), Zélia (enfermeira, escritora e poetisa) e Tereza (servidora pública). Do sexo masculino, nasceram os filhos Pedro e Mundico que, juntos com Tereza, são os protagonistas do que vem adiante. Todos eram católicos fervorosos e devotos de santa Terezinha, a padroeira de Miracema, hoje do Tocantins.
Pedro, recém-saído da adolescência, foi ganhar a vida em São Paulo-SP. Levou na mala de eucatex o currículo contendo o ginasial, o que não era pouco para quem saíra do longínquo e isolado interior do Brasil. O irmão Mundico foi ficando, ficando e, em Miracema, enraizou- se. O seu grande feito, para a época, foi ter conquistado, em um exame rigoroso, uma carteira de habilitação que o deixava apto a dirigir caminhões de grande porte, dando- lhe, naquele meio e naquela época, uma posição social de prestígio. Não bastando, ainda “batia um bolão”. Tereza, que atendia pelo diminutivo carinhoso de “Terezinha”, era uma exímia datilógrafa e se destacava nos departamentos financeiros das repartições onde trabalhava.
Vamos nos deter em três episódios dramáticos que envolveram o Pedro, a Terezinha e o Mundico Bandeira.
Pedro, instalado em São Paulo, gerenciou uma das Casas Pernambucanas até aposentar-se. Lá, solteiro e independente, com a vida sorrindo-lhe, frequentava as praias do Guarujá-SP. Numa das tantas farras regadas a cerveja, acompanhada de frutos do mar, ao som de Nelson Gonçalves, Ângela Maria etc., resolveu dar mais um mergulho. Distraído e sem um salva-vidas por perto, uma corrente de retorno, dessas que o nado não vence, arrastou-o para o alto mar. No quiosque, quando “deram” pelo sumiço de Pedro, a alegria deu lugar ao choro, e a vitrola emudeceu. Jurandir Teixeira Miranda, seu conterrâneo e amigo, também radicado em São Paulo, começou a mobilizar socorros para resgatar Pedro, o arrastado pelo mar.
Pedro, no auge da agonia, em mar aberto, fazendo o famoso nado de cachorro para economizar forças escassas, recorreu a quem? À santa Terezinha. Por ela não parou mais de suplicar. Algumas horas depois, já no breu da noite, seus pés tocaram o chão. Espantado, tentou “tomar pé”… e tomou! Vendo luzes ao longe, recuperou seu senso de direção e mais morto do que vivo foi em direção à terra. Da orla, em um local deserto, caminhou até a estrada e depois de muita insistência conseguiu uma carona numa Kombi lotada de bêbados que o deixou no local de antes. Ao chegar, o pranto deu lugar a gritos, risos e abraços, mas um cético interrompeu a farra, pediu silêncio e lhe perguntou:
– Como é que você conseguiu sair? Ele, prontamente, respondeu-lhe:
– Só há uma explicação: foi a santa Terezinha.
– Nesse momento, chorou, pulou, gritou e alertou a todos que na hora do acerto não haveria vaquinha: a conta era só dele. Terezinha, outra protagonista, foi com amigas e amigos acampar na cidade balneária de Lajeado-GO.
Naquele local, acima da queda d’água mais exuberante, há uma formação de lajeiros. Lá, há um buraco coberto com uma lâmina d’água rasa, camuflado, famoso por “engolir” desavisados. Quem cai lá, por ser estreito, pode morrer engastalhado ou sair na piscina natural abaixo da queda d’água com severas escoriações. Com sorte, algumas vítimas conseguem sobreviver, apesar dos hematomas e do quase afogamento.
Alguém gritou:
– A Terezinha foi engolida, caiu no buraco! Sumiu na pedra! Socorro! Socorro!
Pelo barranco, às pressas, um grupo desceu para
resgatar Terezinha na piscina formada pela água precipitada. Outros ficaram na beira do buraco. Os segundos passavam, e a agonia tomava conta de todos.
Rosiran, filho do hoteleiro Honorato e irmão do músico, promoter e seresteiro Rosival, não arredou: ficou postado ao lado do buraco, com o coração apertado, preso por arrepios intuitivos. Deitou-se, meteu o braço no buraco com a esperança de tocar em Terezinha mais abaixo, enganchada. “Nem sinal!” Parado, já cético e choroso, viu, de repente, uma mão, com unhas pintadas de vermelho, que emergiu. Ele, numa fração de segundos, agarrou aquela mão e a puxou. Terezinha, entre afogada e desmaiada, foi colocada em um lajeiro, de bruços. Aos poucos, tossindo e vomitando água, recompôs-se e começou a chorar. Todos ao redor pulavam e se abraçavam de tanta alegria. Terezinha pediu desculpas, pois queria ficar sozinha. De longe, na sombra de uma mirindiba, sentada numa pedra, rezou e agradeceu a santa Terezinha. Ela, quando entre a vida e a morte, em súplica, pediu para a santa protetora mais uma oportunidade e foi atendida. Naquele dia, na água, não quis mais entrar, e ninguém também entrou.
Mundico Bandeira, pessoa querida, alegre e barulhento, era atração onde chegava. Já motorista credenciado, “pegou” a estrada Belém-Brasília, ainda sem asfalto, e foi a Paraiso do Norte-GO. Ao adentrar a cidade, no começo desta, dirigiu-se para um dos poucos restaurantes disponíveis. No percurso, quis o destino que atropelasse um vira-lata, vermelho de tanta poeira. Bastante agastado com o acidente, sentou-se à mesa com dois amigos que lá encontrou, e pediram o almoço.
Eis que, de súbito, apareceu sobre o batente da entrada o dono do cachorro que fora atropelado. Com uma faca na mão, era um maltrapilho barbudo e desdentado, com chinelos remendados, que olhou raivosamente para o Mundico e bradou:
– Você nunca mais vai passar em cima de cachorro de homem!
Caminhou na direção de um Mundico inerte, estatelado, recanteado e branco como uma flor de algodão. Mas o feroz maltrapilho não contava com uma reação. Cândido Airies, também compondo a mesa, sacou um revólver calibre 38 e o alertou:
– Se você der mais um passo, eu atiro!
Surpreendido, o furioso dono do cachorro foi afastando- se, ora de costas, ora de banda, e sumiu na poeira.
Cândido Airies, então, virou-se para o Mundico e falou:
– Viu, Mundico? Sou teu anjo da guarda.
Ao que o Mundico lhe respondeu:
– Deixe de brincadeira, homem, foi a santa Terezinha que te colocou aqui e agora com esse bendito revólver. Cândido Airies, novamente, sacou o revólver e arriou o tambor. Não tinha bala dentro. Uma gargalhada nervosa, dos dois, estrondou no salão.
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JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR
Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.