Wilames da Costa e Silva, bem-nascido, em 1924, na cidade de Tocantinópolis-TO, “Terra do Padre João”, foi criado em Balsas-MA, “Capital Nacional da Fronteira da Agricultura” e em Carolina-MA, “A Princesinha do Sertão”. Anos depois fixou residência em Cristalândia-TO, “A Cidade dos Cristais.”
Seus pais, não bastando o nome aristocrático com que lhe batizaram, ainda lhe patrocinaram um curso científico, hoje ensino médio, no tradicionalíssimo Colégio Marista de São Luis, capital do estado do Maranhão. Com a maioridade alcançada, tratou de profissionalizar-se, fazendo-se aprovar nos exames para adquirir sua carteira de habilitação, o que não era pouco lá nos anos quarenta do século passado.
Como profissional, trafegou entre os municípios de Balsas e Carolina, comprando e revendendo sal, rolos de tecido, potes de barro, querosene, creolina, bibetox, pílula contra, biotônico etc., levados da primeira para a segunda cidade. No retorno fazia carga com produtos semi-industrializados e algumas commoditties como couro de vaca, côco babaçu, farinha de mandioca, carne seca – de peixe e de vaca – pele de gato maracajá, vassoura de embira, mel de abelha tiúba, requeijão, gamela de madeira de lei, sabão caseiro feito com sebo de vaca e tingui , jogo de tamboretes, banha de cascavel, fumo de rolo, sanfona para reforma etc.
Em sua companhia viajava Nêgo Zé Biô, assim chamado carinhosamente pelos mais chegados. Os dois, onde paravam, chamavam a atenção pelas boas histórias que tinham para contar.
O Município de São Domingos do Azeitão era parada obrigatória. Naquela localidade sempre tinha alguma entrega a fazer ou mercadoria disponível para completar a carga.
Marco Rosa, destacado comerciante e fazendeiro lá estabelecido, atento ao entusiasmo de Wilames, já com o nome transformado e adaptado para “Mestre Uila”, e sempre acompanhado do inseparável Nêgo Zé Biô – também, já conduzindo o seu próprio caminhão – pisando sempre sobre o rastro do outro… começou, então, Marco Rosa a fazer sua pesquisa de mercado, ou melhor, aguçou seu faro para negócios e sentiu a oportunidade surgida: – Rapazes! Vocês estão ganhando muito dinheiro… caminhão não tem erro!
– Mestre Uila passou o rabo de olho no Nêgo Zé Biô e de uma forma que fizesse Marco Rosa achar que ele estava escondendo o jogo, economizou palavras: – Sobra um pouco… – Quero comprar um caminhão – declarou Marco Rosa, sem titubear.
– Você não sabe nem dirigir, observou-lhe o Nêgo Zé Biô.
Vendo e sentindo a empolgação de Marco Rosa, os dois amigos, a conversar com os olhos, constataram a oportunidade surgida:
– Nós vendemos um, adiantou-lhe Nêgo Zé Biô.
– Eu vendo o meu, afirmou o Mestre Uila.
– Pois vamos combinar, provocou Marco Rosa.
E assim, por alguns milhares de réis, moeda da época, tendo como testemunha dona Madalena, a esposa, comprou o caminhão de Mestre Uila, o qual, se prontificou a entregá-lo, sem carga, ao retornar de Carolina.
Uma semana depois voltou e cumpriu o trato. O caminhão foi estacionado debaixo de uma mangueira e a manivela para funcioná-lo foi entregue a Marco Rosa. Era um vistoso GMC-1954. De imediato, Marco Rosa, começou a se informar sobre como contratar um motorista, raríssimo profissional naquele meio. Mas quinze dias depois lá estava Wilson, prontamente contratado. Marco Rosa, vendo o motorista sempre impecável e perfumado, a sacar, em curtos intervalos, um pente e um espelhinho oval do bolso do cós da calça, comentou com a esposa Madalena:
– Se o nosso motorista se acha isso tudo, mulher, e nós? Em que altura estamos?
– Bota os pés no chão, homem, Mestre Uila carregou as nossas reservas… quase tudo!
Na primeira viagem para Balsas, com uma boa carga e alguns passageiros, acomodaram-se na boleia, com Wilson ao volante, dona Madalena ao meio e Marco Rosa ao lado. A carga era côco babaçu e couro espichado, secado ao sol. Na subida da ladeira da Serra do Azeitão, que dá nome ao município, logo depois da cidade, ouviram um tiro. Espantado, Marco Rosa botou a cara para fora da cabine e falou:
– Óia essa brincadeira com arma de fogo, meu povo!
– Foi o pneu, explicou Wilson – E agora, “Uirso”? Perguntou Marco Rosa.
– Não temos estepe, observou o motorista.
– Aonde vamos comprar um? Perguntou Marco Rosa.
– Lá em Balsas e custa, com a câmara, mil e duzentos réis, explicou Wilson.
– Isso tudo?!… assustou-se Marco Rosa.
– E ainda tem as despesas para ir, ponderou Wilson.
– Pois é você quem vai, Uirso. Eu “vorto” daqui com a mulher. Os passageiros, com você, pegam uma condução.
Uma semana depois “Uirso vortou” (Wilson voltou), com o pneu e a câmara. Três meses depois, Marco Rosa e a esposa sentiram que as despesas eram bem maiores que a receita. O tal de Uirso, vaidoso e namorador, parava em toda biboca, aproveitando a admiração que causava por conduzir uma máquina tão imponente aos olhos dos sertanejos. Era um Elon Musk no seu foguete da época, movimentando as estradas. Mas o foguete, ou melhor, o caminhão, não rodava uma semana sem dar o prego. Era um prejuízo atrás do outro. Marco Rosa viu o estoque da sua loja diminuir e os boiadeiros, sempre comprando suas vacas. Mestre Uila e Nêgo Zé Biô foram a São Paulo, compraram um caminhão mais novo que, quatro meses depois, chegou triunfalmente a Balsas. Marco Rosa, sentindo o rombo nas economias, já não dormia direito.
Não suportando ver os negócios a minguar, atalhou, em um belo dia, a dupla Mestre Uila e Nêgo Zé Biô.
– Quero que comprem o caminhão de “vorta”. Vi que não é o meu ramo e eu mal controlo as viagens do chofer raparigueiro. Mestre Uila e Nêgo Zé Biô fizeram corpo mole. Com muita insistência Marco Rosa os convenceu a dar uma olhada no caminhão, estacionado sob uma jaqueira na fazenda, próxima à cidade.
– Marco Rosa, meu amigo, primeiro vamos avaliar a situação do caminhão. Se concluírmos que compensa reformá-lo, explicou Mestre Uila, faremos uma oferta.
– Está coberto com uma lona. Nele galinha não faz ninho. Vamos lá! E foram.
Na avaliação, Mestre Uila, depois de retirada a lona, mandou Nêgo Biô deitar-se debaixo e, com um lápis e uma caderneta nas mãos, avisou a Marco Rosa que ia anotar o nome das peças danificadas.
Deitado debaixo, Nêgo Zé Biô começou a citar o que precisava trocar:
– As molas estão estragadas; o grampo do chassi, também; os amortecedores não servem mais; o tanque, enferrujado… só outro; tem dois pneus com bucho… tá anotando Mestre Uila?
Marco Rosa, ouvindo tudo, amarelo de tanta raiva, não suportou mais e gritou:
– Sai debaixo, Nêgo sem-vergonha, antes que essa geringonça despenque e eu ainda tenha que gastar contigo.
Em casa, refeito da raiva, vendeu pela metade da metade do que pagou e explicou:
– Eu cobri aqueles “zoião” com a lona porque ele não os tirava de riba das minhas vacas. Como uma onça pintada, estava comendo uma por uma. Não tolerei mais ver meu gado minguando e o curral sendo tomado por capim-pé-de-galinha, fedegoso, bredo e formiga-de-fogo… Até as ramas do melão-de-são- caetano estavam alcançando a cumeeira do bezerreiro!Chega!
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Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.